quarta-feira, 24 de junho de 2009

Bordeaux

Sou uma garrafa vazia
Em anestesiada euforia
Linho branco que o vinho manchou
Colorindo o que eu vestia
Com aquele macio "Bordeaux"
Que você deixou vazio
Descortinada à luz de vela
Velada nessa lembrança inquieta
Na mesma cantina deserta
A música ainda é aquela

Só um brinde... de brincadeira
Dissemos tantas besteiras
Sorveste o vinho, sereno
E mais uma garrafa inteira
Embebido na minh'alma
Em goles lentos de gozo pleno
Toda adega é coisa tão pouca
Pra quem morre dessa sede louca
De um volume que não se mede
E que ainda me trava a boca

Decantado o vinho
Cantada qual perfeita musa
Me deixaste turva
Repleta de resíduos teus
Que na chama da luz difusa
Ateavam os desejos meus
Meu olfato impregnado
No ato
De tanto respirar você
Me asfixia nesse seu buquê

A melhor safra, meu melhor momento
Na garrafa a temperatura certa
E no corpo um calor intenso
Contamos tantos segredos
Quantos os copos em nossas mãos

Mãos tontas que buscando alento
Diluíram em álcool meu pensamento

Aprendiz de Baco
Mas doutorado em sedução
O local e o momento exato
Pra mais perfeita união
Perdão legado dos Deuses
Pois nem um coração de aço
Evitaria que eu caísse
Na armadilha dos teus braços
Hoje eu vim
Vim, pra saber
Se alguém achou no caminho
Os rastros daquele "vinho"
Que de tão pouco acabou
Se ainda retenho a taça
Nos lábios que ele beijou
Eterno degustador
Dessa minha agonia rouca
Que ainda sussurra na boca
Com o prazer de um vencedor

"IN VINUM", jamais, VERITAS"
Se não há sinceridade
Em palavras tão malditas
No silêncio da mesma música
Sou a mesma garrafa vazia
O vento que apagou a vela
Minh'alma deixou mais fria

Embriagada, mas não de vinho
Por tantas mentiras deglutida
Aprisionada naquele rótulo
No mesmo gesto monótono
Na melhor safra da melhor bebida
Sozinha naquela mesa
Com os acordes de um velho pinho
A música ainda é a mesma
Banhada no mesmo vinho

Garção! Traz-me duas taças
O melhor vinho da melhor safra
Ergue por caridade
Um brinde de brincadeira
Pra vida, que por maldade
Num tolo instante perdido
Se derramou inteirinha
No linho do meu vestido

Vinho, volúvel desejo
Volátil se evaporou
Fugindo pelos meus poros
Nas gotas desse "Bodeaux"

Vânia Brs.

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